Planos de saúde limitam reembolsos para reduzir custos. Entenda o que muda nas operadoras

Para reduzir custos, muitos planos de saúde têm oferecido contratos com opções mais restritas de reembolso e, em alguns casos, até sem essa possibilidade, permitindo que seus usuários usem apenas a rede credenciada. Em outra frente, várias seguradoras têm apertado protocolos para evitar fraudes ou pagamentos indevidos. Algumas práticas, porém, são vistas com ressalvas por especialistas em Direito do Consumidor.

A Bradesco Saúde, por exemplo, exige que o profissional que presta o serviço ao beneficiário — médico, psicólogo, fisioterapeuta e outros — tenha registro no Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Ministério da Saúde, para liberar o pagamento do reembolso.

Não previsto em contrato

Advogada do programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Marina Paullelli explica que o cadastro foi estabelecido pela pasta em 2015. O CNES, diz ela, é uma ferramenta de gestão de política pública, para que o governo federal entenda quantos hospitais, clínicas e profissionais atuam em cada região. E, na sua visão, não deveria ser exigido pelos planos de saúde:

— No caso dos estabelecimentos públicos, há um incentivo (para que o profissional tenha o CNES), porque é uma condicionante para repasse de verbas do governo federal. Mas isso não acontece no caso dos privados. E não há previsão de multa ou penalidade para o não cadastro.

Ela avalia que a prática é abusiva porque viola a previsão contratual dos planos de saúde de garantir o reembolso dos procedimentos listados:

— Esse tipo de entrave burocrático não é algo que deve ser tratado direto com o consumidor nem pode penalizá-lo de alguma forma.

Especialista em Direito à Saúde do escritório Vilhena Silva, o advogado Rafael Robba diz que reclamações sobre dificuldades em obter reembolso sobem desde o último semestre de 2023. As queixas são principalmente relativas a atendimentos feitos com regularidade, como os de fonoaudiologia, psicoterapia e fisioterapia, que geram mais volume de pedidos de reembolso:

— Desde o começo de 2023, as operadoras começaram a dificultar muito os pedidos de reembolso, pedindo até cópia de extrato bancário para comprovar que o procedimento foi pago, além de recibo e nota fiscal, o que não é previsto nos contratos. Exigir que o consumidor tenha essa informação (sobre o CNES) e confirme isso me parece abusivo. O consumidor virou fiscal da clínica ou do profissional?

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) afirma que, em princípio, não há justificativa para a operadora exigir, para fins de reembolso, que o estabelecimento de saúde tenha cadastro no CNES. E afirma que a operadora não pode cobrar documentação que não esteja prevista em contrato, não sendo da responsabilidade do beneficiário constatar se o estabelecimento de saúde executor dos serviços está registrado no CNES.

Infração sujeita à multa

A operadora que exigir, sem a devida justificativa, documentos como o registro no CNES poderá estar sujeita à prática de infração regulatória, podendo sofrer punições da ANS, como advertência e multa a partir de R$ 30 mil, nos termos do artigo 91 da Resolução Normativa (RN) 489/2022.

Outros planos têm optado por oferecer planos sem reembolsos para reduzir custos e ter preços mais competitivos. A Porto Saúde, por exemplo, lançou este ano um plano para médias empresas com cobertura regional e sem direito a reembolso, mas, segundo a operadora, com valores cerca de 25% abaixo dos similares com rede aberta.

Tratamento prejudicado

O gestor de riscos Gabriel Dias, de 39 anos, é pai de Júlia, de 5. Em avaliação para diagnóstico de autismo, ela faz terapias regulares em uma clínica. Mas há dois meses as solicitações de reembolso da fonoaudióloga começaram a ser negadas pela Bradesco Saúde, sob exigência do CNES. A clínica se dispôs a se adequar, conta Dias, e ainda assim a seguradora se recusa a pagar os valores devidos, alegando que, quando o atendimento foi feito, o estabelecimento não tinha o CNES. O prejuízo da família supera R$ 6 mil, diz ele:

— Tivemos que reduzir as sessões, mas isso prejudica o tratamento. Em nenhum momento deixaram clara essa exigência. É um desrespeito.

A Bradesco Saúde informou em nota que segue a legislação e a regulamentação do setor:

“Trata-se de uma regulação do Ministério da Saúde que define que se ‘constitui como documento público e sistema de informação oficial de cadastramento de informações de todos os estabelecimentos de saúde no país, independentemente da natureza jurídica ou de integrarem o Sistema Único de Saúde (SUS)’”, afirmou.

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